jornalista Marília Camargo César |
CRISTIANISMO HOJE – A senhora diz que a motivação para escrever o livro foi um caso de abuso espiritual que presenciou. Fale sobre essa experiência.
MARÍLIA CAMARGO CÉSAR – Não fui, particularmente, machucada por pastores, porque não andava rotineiramente muito próxima deles, embora convivêssemos bem. Mas testemunhei, na vida de amigos próximos, o estrago que o convívio com nossas antigas lideranças produziu. Muitas histórias de abuso começaram a aparecer depois que um dos pastores de nossa antiga comunidade afastou-se por motivo de saúde. Pessoas que caminhavam bem perto daquele líder começaram a contar histórias tenebrosas de abuso de poder, manipulação psicológica e tirania explícita. As vítimas de abuso eram pessoas adultas e com uma boa formação socioeconômica, por isso eu não conseguia entender como haviam se deixado manipular daquele jeito, só tendo coragem de denunciar o que havia depois que ele se afastou.
Qual foi o caso mais grave de abuso que a senhora conheceu enquanto escrevia o livro?
Foi o caso de uma jovem que sofria de uma doença degenerativa rara – miastenia gravis – e que foi simplesmente massacrada por sua congregação porque não alcançou plenamente a cura. Além desse problema, ela foi levada a crer, pelo pastor, que deveria orar e investir num relacionamento afetivo com um rapaz da igreja, situação que acabou lhe causando enorme constrangimento quando ele apareceu na igreja com uma nova namorada. De certa forma, foi bom para ela, porque o embaraço serviu-lhe para mostrar o nível de adoecimento daquela comunidade, o nível de fundamentalismo que praticavam, e isso acabou por abrir os seus olhos. Ela saiu da igreja e, até onde eu sei, não fez parte de nenhuma outra congregação desde então.
Em sua opinião, quais são os principais tipos de abuso espiritual e suas características?
O livro fala de abuso de poder, de abuso financeiro, mas mostra as nuances do abuso que julgo mais sutil e difícil de identificar, mas bastante devastador da mesma forma, que é o abuso de ordem psicológica ou emocional. O líder impõe sua visão de mundo sobre a ovelha, e esta a aceita como uma ordem divina que precisa ser obedecida, sob pena de punição. O pastor diz, por exemplo, que o discípulo deve casar-se com determinada pessoa, porque teve uma “visão” de que esta era a vontade de Deus para a sua vida. Não importa que não haja, a princípio, nada em comum que possa unir aquele casal. E o fiel obedece. O pastor fala para uma mulher que apanha sistematicamente de seu marido que ela deve fidelidade a ele, porque isso é bíblico. Ou então fala para uma pessoa com uma doença grave que ela ainda não foi curada porque está fraquejando na fé. Todos esses são exemplos reais de pessoas que só se recuperaram emocionalmente após muitas horas de psicoterapia. E, claro, após deixarem essas igrejas.
E por que as pessoas deixam a situação chegar a tal ponto?
Depois de escrever o livro, compreendi que, quando acreditamos estar sofrendo alguma coisa por amor a Deus, aguentamos as piores humilhações. Aquelas pessoas acreditavam, sinceramente, que estavam sendo disciplinados por profetas do Senhor para o seu próprio bem e crescimento espiritual, quando na verdade estavam sendo é espezinhados emocionalmente.
Como os abusos podem ser evitados?
Maturidade espiritual não é alguma coisa trivial, que se alcance da noite para o dia. É preciso uma longa caminhada, tolerância e paciência; o fiel precisa estar bem acompanhado – e aí se incluem lideranças maduras, com uma boa formação, saudáveis física, psicológica e teologicamente, que possam ensinar um cristianismo autêntico, vivo e não-fundamentalista. É preciso também cercar-se de amigos verdadeiros, que nos apoiem e não fiquem nos julgando quando falamos aquilo que estamos sentindo, por mais horrível que isso possa ser.
Fonte: Revista Cristianismo Hoje
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